Emoção e afetividade
O
ser humano permanece por muito tempo dependente dos outros que o
cercam. Estabelece-se entre a mãe e a criança uma linguagem de
caráter emocional e, pouco-a-pouco, a consciência de si e do mundo
vai sendo construída nesta relação. Nesse sentido, por meio da
linguagem, são construídas a consciência e a cognição. Ao longo do
desenvolvimento, a afetividade vai adquirindo independência dos
fatores corporais, passando a ser expressa por palavras e outras
manifestações, sem a necessidade de alterações corporais visíveis.
Wallon
preconiza cinco etapas no desenvolvimento da personalidade. É pela
interação que o sujeito se constrói, inicialmente fundido na mãe,
para ir aos poucos se individualizando num processo de objetivação,
através de crises de oposição ao outro. Segundo o autor há sempre
uma alternância entre os estado subjetivos, de construção de si e os
estados objetivos, de busca do mundo, do aprender.
Inicialmente,
o bebê está exclusivamente submetido às impressões orgânicas e
dispõe de reações orgânicas. Aos poucos, estes movimentos ligados à
vida afetiva se vincularão à vida de relação, fundindo-se na mãe,
pois "a sensibilidade da criança se estende ao ambiente; ela reproduz
os seus traços e não se sabe distinguir deles" (WALLON, 1968, p.
151). É um período predominantemente emocional, pois a criança não
sabe falar e se expressa através do choro.
No
período seguinte, com a aquisição da marcha e da linguagem, a
criança se torna mais livre e o ato mental projeta-se em atos
motores. No entanto, o olhar que tem sobre si mesma, ainda é o olhar
do outro. É por isso que os jogos alternantes, em que a criança
"reciprocamente é o autor e o objeto de um gesto" (WALLON, 1975, p.
208), como o jogo de esconde-esconde, por exemplo, são importantes no
seu desenvolvimento. Há um predomínio do cognitivo pela avidez em
descobrir o mundo.
A
fase personalista, que ocorre entre três e seis anos, é mais
subjetiva, torna-se muito importante a pré-escola, tanto para
aprender a conviver com outras crianças de sua idade e com adultos
diferentes do seu meio familiar, contribuindo para o fortalecimento
da individualidade, quanto para realizar atividades expressivas
fundamentais na construção da individualidade.
Assim,
um fator importante na individuação é a própria escolarização,
pois ao diminuir a dependência dos adultos que a cercam, a criança em
idade escolar terá a possibilidade de se perceber "como uma unidade
susceptível de entrar em vários grupos e, juntando-se-lhes, de os
modificar." (WALLON, 1975, p. 213). Terá de aprender a estabelecer
relações de reciprocidade, de cooperação, de rivalidade,
desenvolvendo assim, a sua sociabilidade.
Na
fase escolar, chamada de categorial por Wallon, deveria estar em
destaque uma grande vontade de aprender. Quando isto não ocorre, pode
estar havendo uma inadequação do trabalho escolar ou uma permanência
de aspectos subjetivos que deveriam ter sido escoados através da
expressividade na etapa anterior. Torna-se fundamental o resgate da
história da criança para conhecê-la melhor e descobrir se não há
fatores afetivos dificultando a aprendizagem.
A
afetividade é mais abrangente que a emoção e pode ser expressa de
diversas maneiras, principalmente depois da aquisição da linguagem.
No bebê, a afetividade é expressa através das emoções, principalmente
para ter suas necessidades básicas atendidas e, por isso, Wallon
afirma que a emoção é uma linguagem antes da linguagem. Portanto,
não se pode usar afetividade e emoção como sinônimos, pois são
diferentes.
A
emoção é a fase mais arcaica do desenvolvimento. Ao sair do estado
puramente orgânico, a pessoa é um ser emocional, no qual, lentamente,
surge o racional. No início da vida, a afetividade e a inteligência
estão misturadas, mas há predomínio do afetivo. Elas se alternarão
e se influenciarão reciprocamente, ao longo do desenvolvimento
infantil, pois a afetividade refluirá para dar espaço ao cognitivo e
vice-versa. Assim, em cada período ou estágio do desenvolvimento
haverá a preponderância e alternância de um destes aspectos.
A
emoção tem tanta importância no início da vida que, por meio dela, o
corpo toma forma e consistência. É o que Wallon chama de atividade
proprioplástica que, ao modelar o corpo através da atividade
muscular, permite a exteriorização dos estados emocionais e a tomada
de consciência dos mesmos pelo indivíduo. Assim, pode-se afirmar que a
emoção é visível, através das modificações que ocorrem na mímica e
na expressão facial.
As
emoções serão, portanto, sempre acompanhadas de reações
neurovegetativas (aceleração do batimento cardíaco, mudança na
respiração, secura na boca, perturbações digestivas) e expressivas
(alterações na postura, na mímica facial, na forma de expressar os
gestos). Por serem acompanhadas de modificações exteriores, as
reações expressivas são altamente contagiosas e mobilizadoras do
comportamento do outro, pois "em todo arrebatamento emotivo, o
indivíduo extravasa de certa forma a sua sensibilidade. Suas reações
emotivas estabelecem entre eu e o outro uma espécie de ressonância e
de participação afetivas" (WALLON, 1995, p. 164). Por isso, elas
predominam no primeiro ano de vida do bebê, e as atitudes modeladas
pelo outro se constituem nas primeiras maneiras de expressão.
Entre
a sensibilidade interoceptiva (visceral) e a exteroceptiva
(percepção do mundo exterior) existe a sensibilidade proprioceptiva
(tem como ponto de partida os canais semicirculares e o labirinto).
Quando a mãe embala o bebê para que pare de chorar, está agindo sobre
a sensibilidade proprioceptiva. Isto se repete com um deficiente,
que fica horas inteiras a se balançar ou a girar sobre si.
Como
consequência de a emoção ter componentes orgânicos acentuados, sua
função principal é mobilizar o outro, isto é, ela é essencialmente
social. "As reações que as emoções suscitam no ambiente funcionam
como uma espécie de combustível para sua manifestação" (GALVÃO, 1996,
p. 64).
Assim,
devido ao seu poder de contágio, as emoções podem provocar a
diluição dos contornos da personalidade de cada um e, através das
relações interindividuais, um vai contaminando o outro, com o
apagamento da individualidade. Isto acontece com o bebê que se
encontra num estado de fusão com o meio em que vive e em grandes
eventos, tais como, rituais religiosos, concertos musicais e comícios
em que todos os gestos parecem comuns.
Esse
aspecto das emoções foi observado mesmo entre povos mais primitivos,
em que as danças e outros ritos marcavam o ritmo do grupo, fundindo
as pessoas através dos mesmos gestos e atitudes. Assim, "a emoção é
contraditória nos seus efeitos, pois oscila entre um estado de
comunhão e confusão com o outro ao estado de oposição e
discriminação" (ZAZZO, 1968, p. 14-15).
O
caráter contagioso da emoção atinge a todos que estiverem perto de
alguém em crise. O professor precisa estar consciente desse fato,
porque muitas vezes a emoção o envolve e ele pode ficar paralisado ou
irritado diante de uma atitude de hostilidade ou rebeldia, não
ajudando na solução da crise. Esta paralisia pode provocar uma
imperícia3,
que pode ser momentânea, mas pode ser mais duradoura e atingir mais
seriamente a criança. Muitos conflitos e casos de indisciplina
recorrentes mereceriam uma reflexão do professor, para que se pudesse
perceber se não está havendo uma contaminação por parte dele,
acentuando o problema.
O
professor precisa, portanto, aprender a ter um distanciamento,
procurando saber quando deve agir e quando deve deixar a criança
escoar a sua emoção, pois, quando alguém está passando por uma crise
emotiva, esta tende a se acentuar quando há plateia, mas se ela não
existir, a tendência da crise é perder a sua força.
Assim,
seria a partir de reações fisiológicas que iriam se constituindo
as expressões emocionais que, ao se originarem de sensações simples,
tais como os espasmos involuntários do bebê, poderiam retornar em
formas diferenciadas de novas reações fisiológicas, tais como a
angústia, o prazer e o riso, ganhando significados intencionais em
reação ao outro que cuida do bebê, colocando, então, a emoção como
origem do movimento.
Para
Wallon, a emoção e a tonicidade estão muito interligadas, pois têm
a mesma origem subcortical. Portanto, as emoções podem ser vinculadas
à função postural ou tônica, pois segundo Wallon, as emoções e o
tônus têm um substrato comum. Entre movimento e emoção, a relação é
de reciprocidade e podemos classificar as emoções pelo modo como o
tônus se forma, se conserva ou se consome. Elas são responsáveis pela
regulação das alterações do tônus da musculatura esquelética
(estriada) e da musculatura dos órgãos internos (lisa).
Assim,
qualquer que seja a nuance da emoção, há sempre variações no
tônus dos membros e da vida orgânica. Segundo Wallon (1968, p. 14)
"tônus não é apenas um estado de tensão necessário à execução da
contração muscular, ele é também atitudes, posturas". Quando há
hipertonia, ela pode se escoar através do riso, que ocupa os músculos
do esqueleto, e do choro, que ocupa os músculos das vísceras. Já na
timidez há um estado de hipotonia, pois se verifica hesitação na
execução dos movimentos e incerteza na tomada de atitudes.
Uma
das formas na qual se percebe um estado de hipertonia, em que há
excesso de excitação sobre as possibilidades de escoamento, é a
cólera. A cólera pode-se desenvolver em duas direções opostas:
centrípeta, quando se volta contra o próprio sujeito, e projetiva,
quando se volta para o ambiente. A cólera centrípeta é dominada pela
angústia, e a cólera projetiva é uma forma mais socializada, porque
faz o ambiente participar de suas emoções. Parece-me que Carolina
se utiliza dessas duas formas de cólera em seu temperamento mais
impetuoso.
Sendo
assim, um sujeito encolerizado tem uma obnubilação, isto é, um
obscurecimento da percepção e da inteligência, tornando-se cego à
realidade, podendo realizar atos dos quais, depois, se arrependa.
Segundo
Wallon, há diferenças entre o medo e a cólera. O medo como todas
as emoções, origina-se em reações elementares, mas nasce das
sensações labirínticas, isto é, daquelas relativas à ruptura do
equilíbrio, cujo ponto de partida é diferente da cólera que é
decorrente de excesso de tônus.
O
medo é um sentimento primário que surge logo no recém-nascido. Este
fato pode ser observado com a insegurança do bebê no banho, mesmo
antes de ter tido experiências com quedas. A incerteza postural que
sente ao ser colocado na água traz, segundo Wallon, a sensação de
medo. Estas reações voltarão a aparecer sempre que houver falhas no
domínio das atitudes, tais como diante de fatos insólitos ou
inesperados, mudanças no ambiente, gestos bruscos e situações
confusas e ambíguas (WALLON, 1995).
Sendo
assim, o medo pode apresentar vários graus e várias formas. Diante
de uma situação mais complexa pode existir uma grande desorganização
quando o medo ultrapassa os recursos motores ou conceituais, tornando
todo o esforço de equilíbrio impossível, pois o indivíduo não tem
um ponto de apoio. Essa desorganização pode trazer uma queima total
de tônus, provocando o ictus ou desfalecimento. Pode também
trazer um estado de hipotonia como nos casos de fobia, terror e
pavor. Essas desorganizações trazem imperícias que paralisam o
sujeito.
No
entanto, pode acontecer o medo hipertônico, resultante de certa
espera, como acontece com a criança que vive em constante medo, pois
"toda espera acompanha-se de um estado de tensão tônica que aumenta à
medida que ela se prolonga, e pode transformar-se em angústia"
(WALLON, 1995, p. 131). Assim, a angústia vivida por muito tempo,
concentradamente, sem escoamento do tônus, pode trazer muitos
problemas, transformando-se em cólera e aí se extravasar através das
explosões coléricas contra si mesmo ou contra o outro, citadas
anteriormente.
Na
ansiedade também há aumento de tonicidade. Ela pode se escoar
através de uma atividade corpórea, que muitas vezes se manifesta num
ativismo desordenado. No entanto, se a ansiedade ficar retida por
muito tempo pode gerar desconforto e problemas. O medo diante de uma
situação de perigo pode causar, ao contrário do ictus, o raptus, em que o excesso de tonicidade permite precisão de movimentos, permitindo uma fuga.
Todavia,
a emoção não tem sempre este caráter explosivo, imprevisível e
anárquico, pois ela está presente quando a criança participa dos
jogos interacionais (jogos de esconde-esconde, de bater e receber),
em que há espera, aumento de tonicidade e um medo hipertônico, mas
como há previsão do que irá acontecer, a tonicidade vai se escoando
através do próprio jogo. Só poderá se transformar em cólera se
houver uma intercorrência não esperada ou se houver um excesso de
brincadeira e o consequente cansaço.
Assim,
para que a emoção possa ser reduzida, é necessário escoamento,
quer seja através de recursos físicos, farmacológicos ou
representacionais. Dentre os três, o mais adequado é o último, pois
"todo aquele que observa, reflete ou mesmo imagina, abole de si mesmo a
perturbação emocional. Não nos livramos da emoção apenas ao
reduzi-la às suas corretas proporções, mas sim, e principalmente,
pelo esforço para representá-la" (WALLON, 1995, p. 86).
Sendo
assim, a emoção é mais arcaica e subcortical (involuntária e
incontrolada), mas com a maturação cortical torna-se suscetível de
controle voluntário. Ela sempre manterá, com a atividade reflexiva,
um antagonismo, pois reflete a oposição entre o subcortical e o
cortical. Sempre que aflorar a emoção descontrolada haverá uma
obliteração do intelecto e sempre que a emoção puder ser
representada, ela diminuirá. Nas palavras de Heloysa Dantas (1990) "a
razão nasce da emoção e vive de sua morte".
Todavia,
a eficácia do funcionamento cognitivo está em estreita relação com
a capacidade cortical de se retomar o controle de uma situação. Na
realidade, a emoção diminui, mas não deixa de existir, pois a
afetividade, mais controlada e corticalizada, é componente permanente
da ação.
Por isso, a representação e a reflexão que ela possibilita, reduzem os efeitos da emoção.
A comoção do medo ou da cólera diminui quando o sujeito se esforça para definir-lhe as causas. Um sofrimento físico, que procuramos traduzir em imagens, perde algo de sua agudez orgânica. O sofrimento moral, que conseguimos relatar a nós mesmos, cessa de ser lancinante e intolerável. Fazer um poema ou romance de sua dor era, para Goethe, um meio de furtar-se a ela. (WALLON, 1986, p. 147).
Assim,
o papel das emoções é fundamental na constituição da identidade
do sujeito e na construção do real, pois "... a emoção esboça o
pensamento, a representação que lhe é contraditória e não contrária;
esboça a distinção entre o eu e o outro e preludia as afirmações
da personalidade" (ZAZZO, 1968).
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