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sábado, 14 de dezembro de 2013

Wallon

Emoção e afetividade
O ser humano permanece por muito tempo dependente dos outros que o cercam. Estabelece-se entre a mãe e a criança uma linguagem de caráter emocional e, pouco-a-pouco, a consciência de si e do mundo vai sendo construída nesta relação. Nesse sentido, por meio da linguagem, são construídas a consciência e a cognição. Ao longo do desenvolvimento, a afetividade vai adquirindo independência dos fatores corporais, passando a ser expressa por palavras e outras manifestações, sem a necessidade de alterações corporais visíveis.
Wallon preconiza cinco etapas no desenvolvimento da personalidade. É pela interação que o sujeito se constrói, inicialmente fundido na mãe, para ir aos poucos se individualizando num processo de objetivação, através de crises de oposição ao outro. Segundo o autor há sempre uma alternância entre os estado subjetivos, de construção de si e os estados objetivos, de busca do mundo, do aprender.
Inicialmente, o bebê está exclusivamente submetido às impressões orgânicas e dispõe de reações orgânicas. Aos poucos, estes movimentos ligados à vida afetiva se vincularão à vida de relação, fundindo-se na mãe, pois "a sensibilidade da criança se estende ao ambiente; ela reproduz os seus traços e não se sabe distinguir deles" (WALLON, 1968, p. 151). É um período predominantemente emocional, pois a criança não sabe falar e se expressa através do choro.
No período seguinte, com a aquisição da marcha e da linguagem, a criança se torna mais livre e o ato mental projeta-se em atos motores. No entanto, o olhar que tem sobre si mesma, ainda é o olhar do outro. É por isso que os jogos alternantes, em que a criança "reciprocamente é o autor e o objeto de um gesto" (WALLON, 1975, p. 208), como o jogo de esconde-esconde, por exemplo, são importantes no seu desenvolvimento. Há um predomínio do cognitivo pela avidez em descobrir o mundo.
A fase personalista, que ocorre entre três e seis anos, é mais subjetiva, torna-se muito importante a pré-escola, tanto para aprender a conviver com outras crianças de sua idade e com adultos diferentes do seu meio familiar, contribuindo para o fortalecimento da individualidade, quanto para realizar atividades expressivas fundamentais na construção da individualidade.
Assim, um fator importante na individuação é a própria escolarização, pois ao diminuir a dependência dos adultos que a cercam, a criança em idade escolar terá a possibilidade de se perceber "como uma unidade susceptível de entrar em vários grupos e, juntando-se-lhes, de os modificar." (WALLON, 1975, p. 213). Terá de aprender a estabelecer relações de reciprocidade, de cooperação, de rivalidade, desenvolvendo assim, a sua sociabilidade.



Na fase escolar, chamada de categorial por Wallon, deveria estar em destaque uma grande vontade de aprender. Quando isto não ocorre, pode estar havendo uma inadequação do trabalho escolar ou uma permanência de aspectos subjetivos que deveriam ter sido escoados através da expressividade na etapa anterior. Torna-se fundamental o resgate da história da criança para conhecê-la melhor e descobrir se não há fatores afetivos dificultando a aprendizagem.
A afetividade é mais abrangente que a emoção e pode ser expressa de diversas maneiras, principalmente depois da aquisição da linguagem. No bebê, a afetividade é expressa através das emoções, principalmente para ter suas necessidades básicas atendidas e, por isso, Wallon afirma que a emoção é uma linguagem antes da linguagem. Portanto, não se pode usar afetividade e emoção como sinônimos, pois são diferentes.
A emoção é a fase mais arcaica do desenvolvimento. Ao sair do estado puramente orgânico, a pessoa é um ser emocional, no qual, lentamente, surge o racional. No início da vida, a afetividade e a inteligência estão misturadas, mas há predomínio do afetivo. Elas se alternarão e se influenciarão reciprocamente, ao longo do desenvolvimento infantil, pois a afetividade refluirá para dar espaço ao cognitivo e vice-versa. Assim, em cada período ou estágio do desenvolvimento haverá a preponderância e alternância de um destes aspectos.
A emoção tem tanta importância no início da vida que, por meio dela, o corpo toma forma e consistência. É o que Wallon chama de atividade proprioplástica que, ao modelar o corpo através da atividade muscular, permite a exteriorização dos estados emocionais e a tomada de consciência dos mesmos pelo indivíduo. Assim, pode-se afirmar que a emoção é visível, através das modificações que ocorrem na mímica e na expressão facial.
As emoções serão, portanto, sempre acompanhadas de reações neurovegetativas (aceleração do batimento cardíaco, mudança na respiração, secura na boca, perturbações digestivas) e expressivas (alterações na postura, na mímica facial, na forma de expressar os gestos). Por serem acompanhadas de modificações exteriores, as reações expressivas são altamente contagiosas e mobilizadoras do comportamento do outro, pois "em todo arrebatamento emotivo, o indivíduo extravasa de certa forma a sua sensibilidade. Suas reações emotivas estabelecem entre eu e o outro uma espécie de ressonância e de participação afetivas" (WALLON, 1995, p. 164). Por isso, elas predominam no primeiro ano de vida do bebê, e as atitudes modeladas pelo outro se constituem nas primeiras maneiras de expressão.
Entre a sensibilidade interoceptiva (visceral) e a exteroceptiva (percepção do mundo exterior) existe a sensibilidade proprioceptiva (tem como ponto de partida os canais semicirculares e o labirinto). Quando a mãe embala o bebê para que pare de chorar, está agindo sobre a sensibilidade proprioceptiva. Isto se repete com um deficiente, que fica horas inteiras a se balançar ou a girar sobre si.
Como consequência de a emoção ter componentes orgânicos acentuados, sua função principal é mobilizar o outro, isto é, ela é essencialmente social. "As reações que as emoções suscitam no ambiente funcionam como uma espécie de combustível para sua manifestação" (GALVÃO, 1996, p. 64).
Assim, devido ao seu poder de contágio, as emoções podem provocar a diluição dos contornos da personalidade de cada um e, através das relações interindividuais, um vai contaminando o outro, com o apagamento da individualidade. Isto acontece com o bebê que se encontra num estado de fusão com o meio em que vive e em grandes eventos, tais como, rituais religiosos, concertos musicais e comícios em que todos os gestos parecem comuns.
Esse aspecto das emoções foi observado mesmo entre povos mais primitivos, em que as danças e outros ritos marcavam o ritmo do grupo, fundindo as pessoas através dos mesmos gestos e atitudes. Assim, "a emoção é contraditória nos seus efeitos, pois oscila entre um estado de comunhão e confusão com o outro ao estado de oposição e discriminação" (ZAZZO, 1968, p. 14-15).
O caráter contagioso da emoção atinge a todos que estiverem perto de alguém em crise. O professor precisa estar consciente desse fato, porque muitas vezes a emoção o envolve e ele pode ficar paralisado ou irritado diante de uma atitude de hostilidade ou rebeldia, não ajudando na solução da crise. Esta paralisia pode provocar uma imperícia3, que pode ser momentânea, mas pode ser mais duradoura e atingir mais seriamente a criança. Muitos conflitos e casos de indisciplina recorrentes mereceriam uma reflexão do professor, para que se pudesse perceber se não está havendo uma contaminação por parte dele, acentuando o problema.
O professor precisa, portanto, aprender a ter um distanciamento, procurando saber quando deve agir e quando deve deixar a criança escoar a sua emoção, pois, quando alguém está passando por uma crise emotiva, esta tende a se acentuar quando há plateia, mas se ela não existir, a tendência da crise é perder a sua força.
Assim, seria a partir de reações fisiológicas que iriam se constituindo as expressões emocionais que, ao se originarem de sensações simples, tais como os espasmos involuntários do bebê, poderiam retornar em formas diferenciadas de novas reações fisiológicas, tais como a angústia, o prazer e o riso, ganhando significados intencionais em reação ao outro que cuida do bebê, colocando, então, a emoção como origem do movimento.
Para Wallon, a emoção e a tonicidade estão muito interligadas, pois têm a mesma origem subcortical. Portanto, as emoções podem ser vinculadas à função postural ou tônica, pois segundo Wallon, as emoções e o tônus têm um substrato comum. Entre movimento e emoção, a relação é de reciprocidade e podemos classificar as emoções pelo modo como o tônus se forma, se conserva ou se consome. Elas são responsáveis pela regulação das alterações do tônus da musculatura esquelética (estriada) e da musculatura dos órgãos internos (lisa).
Assim, qualquer que seja a nuance da emoção, há sempre variações no tônus dos membros e da vida orgânica. Segundo Wallon (1968, p. 14) "tônus não é apenas um estado de tensão necessário à execução da contração muscular, ele é também atitudes, posturas". Quando há hipertonia, ela pode se escoar através do riso, que ocupa os músculos do esqueleto, e do choro, que ocupa os músculos das vísceras. Já na timidez há um estado de hipotonia, pois se verifica hesitação na execução dos movimentos e incerteza na tomada de atitudes.
Uma das formas na qual se percebe um estado de hipertonia, em que há excesso de excitação sobre as possibilidades de escoamento, é a cólera. A cólera pode-se desenvolver em duas direções opostas: centrípeta, quando se volta contra o próprio sujeito, e projetiva, quando se volta para o ambiente. A cólera centrípeta é dominada pela angústia, e a cólera projetiva é uma forma mais socializada, porque faz o ambiente participar de suas emoções. Parece-me que Carolina se utiliza dessas duas formas de cólera em seu temperamento mais impetuoso.
Sendo assim, um sujeito encolerizado tem uma obnubilação, isto é, um obscurecimento da percepção e da inteligência, tornando-se cego à realidade, podendo realizar atos dos quais, depois, se arrependa.
Segundo Wallon, há diferenças entre o medo e a cólera. O medo como todas as emoções, origina-se em reações elementares, mas nasce das sensações labirínticas, isto é, daquelas relativas à ruptura do equilíbrio, cujo ponto de partida é diferente da cólera que é decorrente de excesso de tônus.
O medo é um sentimento primário que surge logo no recém-nascido. Este fato pode ser observado com a insegurança do bebê no banho, mesmo antes de ter tido experiências com quedas. A incerteza postural que sente ao ser colocado na água traz, segundo Wallon, a sensação de medo. Estas reações voltarão a aparecer sempre que houver falhas no domínio das atitudes, tais como diante de fatos insólitos ou inesperados, mudanças no ambiente, gestos bruscos e situações confusas e ambíguas (WALLON, 1995).
Sendo assim, o medo pode apresentar vários graus e várias formas. Diante de uma situação mais complexa pode existir uma grande desorganização quando o medo ultrapassa os recursos motores ou conceituais, tornando todo o esforço de equilíbrio impossível, pois o indivíduo não tem um ponto de apoio. Essa desorganização pode trazer uma queima total de tônus, provocando o ictus ou desfalecimento. Pode também trazer um estado de hipotonia como nos casos de fobia, terror e pavor. Essas desorganizações trazem imperícias que paralisam o sujeito.
No entanto, pode acontecer o medo hipertônico, resultante de certa espera, como acontece com a criança que vive em constante medo, pois "toda espera acompanha-se de um estado de tensão tônica que aumenta à medida que ela se prolonga, e pode transformar-se em angústia" (WALLON, 1995, p. 131). Assim, a angústia vivida por muito tempo, concentradamente, sem escoamento do tônus, pode trazer muitos problemas, transformando-se em cólera e aí se extravasar através das explosões coléricas contra si mesmo ou contra o outro, citadas anteriormente.
Na ansiedade também há aumento de tonicidade. Ela pode se escoar através de uma atividade corpórea, que muitas vezes se manifesta num ativismo desordenado. No entanto, se a ansiedade ficar retida por muito tempo pode gerar desconforto e problemas. O medo diante de uma situação de perigo pode causar, ao contrário do ictus, o raptus, em que o excesso de tonicidade permite precisão de movimentos, permitindo uma fuga.
Todavia, a emoção não tem sempre este caráter explosivo, imprevisível e anárquico, pois ela está presente quando a criança participa dos jogos interacionais (jogos de esconde-esconde, de bater e receber), em que há espera, aumento de tonicidade e um medo hipertônico, mas como há previsão do que irá acontecer, a tonicidade vai se escoando através do próprio jogo. Só poderá se transformar em cólera se houver uma intercorrência não esperada ou se houver um excesso de brincadeira e o consequente cansaço.
Assim, para que a emoção possa ser reduzida, é necessário escoamento, quer seja através de recursos físicos, farmacológicos ou representacionais. Dentre os três, o mais adequado é o último, pois "todo aquele que observa, reflete ou mesmo imagina, abole de si mesmo a perturbação emocional. Não nos livramos da emoção apenas ao reduzi-la às suas corretas proporções, mas sim, e principalmente, pelo esforço para representá-la" (WALLON, 1995, p. 86).
Sendo assim, a emoção é mais arcaica e subcortical (involuntária e incontrolada), mas com a maturação cortical torna-se suscetível de controle voluntário. Ela sempre manterá, com a atividade reflexiva, um antagonismo, pois reflete a oposição entre o subcortical e o cortical. Sempre que aflorar a emoção descontrolada haverá uma obliteração do intelecto e sempre que a emoção puder ser representada, ela diminuirá. Nas palavras de Heloysa Dantas (1990) "a razão nasce da emoção e vive de sua morte".
Todavia, a eficácia do funcionamento cognitivo está em estreita relação com a capacidade cortical de se retomar o controle de uma situação. Na realidade, a emoção diminui, mas não deixa de existir, pois a afetividade, mais controlada e corticalizada, é componente permanente da ação.
Por isso, a representação e a reflexão que ela possibilita, reduzem os efeitos da emoção.
A comoção do medo ou da cólera diminui quando o sujeito se esforça para definir-lhe as causas. Um sofrimento físico, que procuramos traduzir em imagens, perde algo de sua agudez orgânica. O sofrimento moral, que conseguimos relatar a nós mesmos, cessa de ser lancinante e intolerável. Fazer um poema ou romance de sua dor era, para Goethe, um meio de furtar-se a ela. (WALLON, 1986, p. 147).
Assim, o papel das emoções é fundamental na constituição da identidade do sujeito e na construção do real, pois "... a emoção esboça o pensamento, a representação que lhe é contraditória e não contrária; esboça a distinção entre o eu e o outro e preludia as afirmações da personalidade" (ZAZZO, 1968).

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